Força para a mudança: vozes da linha de frente

Cinco histórias de mudança, cinco reflexões pessoais 

O Instituto C&A começou com uma ideia: de que a moda poderia ser uma força para o bem.  


Sempre soubemos que uma indústria de moda diferente era possível. Uma que fosse justa, igualitária e sustentável, que funcionasse de uma forma melhor para as pessoas que atuam nessa indústria. Sabemos que é possível porque nós mesmos já vimos isso. Os esforços de nossos parceiros fizeram uma mudança significativa e duradoura em suas comunidades e na indústria da moda em geral. Esperamos poder ver o que eles alcançarão a seguir.


Conheça histórias poderosas de mudança e reflexões pessoais de membros de nossa equipe – uma para cada um dos cinco anos em que o Instituto C&A atuou para fazer da moda uma força para o bem.  

Link para relatórios anuais anteriores 

Leia nossos Relatórios Anuais anteriores para saber mais sobre as realizações do Instituto C&A e de seus parceiros.  

Relatório Anual 

2018

Relatório Anual 

2017

Relatório Anual 

2016

Relatório Anual 

2015

Relatório Anual 

2014

Laudes Foundation logo

Redefinindo valor para o bem comum.

A Laudes Foundation é uma fundação independente criada em resposta à demanda global urgente de acelerar a transição para uma economia justa e regenerativa. Para endereçar as crises do colapso climático e da desigualdade social, a Laudes apoia ações que inspiram e desafiam a indústria a utilizar seu poder para o bem.


Como parte da empresa familiar Brenninkmeijer, tem como base o aprendizado de seis gerações nas áreas de empreendedorismo e investimento social privado.


A Laudes Foundation dá continuidade à parte do trabalho desenvolvido pelo Instituto C&A e segue trabalhando de forma colaborativa para influenciar os fluxos de capital financeiro e transformar as indústrias da moda e da construção civil.

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Reconstruindo e fortalecendo comunidades

2 Abril 2019


Como as ações implementadas há dois anos pela Save the Children, em parceria com o Instituto C&A, estão ajudando as vítimas do terremoto do México


Adriana vive junto com seus três filhos numa comunidade próxima a Tetela del Volcán, a oeste de Morelos. Na tarde de 19 de setembro de 2017, sua casa foi um dos imóveis que desabaram ou sofreram graves danos estruturais: “Nesse dia desabou a casinha onde eu vivia com meus três filhos. Depois do terremoto, meu irmão me emprestou a cozinha da casa dele para eu morar com meus filhos e ele teve que fazer um quarto separado com chapas. Durante muito tempo me senti triste, pensando onde poderia viver com meus filhos dignamente”, lembra.


A perda de sua casa não foi a única na região, já que cidades próximas como Tlalmimilulpan, Jumiltepec e Ocuituco, também foram afetadas pelo terremoto. Em Ocuituco, Gustavo e sua família também tiveram que abandonar sua casa: “Graças a Deus não estávamos em casa; quando chegamos vimos que as paredes estavam rachadas. Não tivemos outra escolha a não ser ir embora, pela segurança da minha mulher e do meu filho. Construímos um quartinho com tábuas na casa de minha mãe e tentamos isolá-lo com nylon, papelão e umas chapas que já tínhamos, para que o frio não entrasse. É muito triste ver que tudo o que você tinha foi destruído em um segundo”, disse.


Por sorte, famílias como a de Gustavo e a de Adriana receberam ajuda da Save The Childrenque,em parceria com o Instituto C&A, doou meio milhão de euros para ações imediatas, além da mesma quantia para ações de reconstrução nos estados de Morelos, Oaxaca e Puebla. O objetivo dessas ações era criar lares para 15 famílias, as quais estão perto de receber suas novas casas à prova de terremoto.


Israel é o líder de mobilização comunitária da Save The Childrenem Morelos e acompanhou o processo de reconstrução. Ele percebeu que este processo visa não só construir novas casas, mas também apoiar as famílias que perderam tudo: “Não estamos apenas construindo casas, também estamos apoiando as famílias para que elas possam se empoderar. Por isso criamos meios para que elas recebam apoio ou resolvam as situações que estão enfrentando, com o acompanhamento da Save The Children, disse. Ele e outros voluntários conviveram com aproximadamente 60 famílias prejudicadas, e reconstruíram a casa de 15 delas, identificadas como as famílias que mais precisavam de apoio após a tragédia.


Parte das ações que a Save The Childrenrealizou para empoderar as famílias inclui oficinas de autoconstrução e a criação de comandas, ou seja, esquemas organizacionais nos quais as famílias fornecem comidas para os trabalhadores e são remuneradas pela organização. Desta forma, elas puderam criar um sistema que beneficia a todos, além de integrar os trabalhadores em sua comunidade.


Nas oficinas oferecidas pela Save The Childrensão analisadas formas de prevenir outros contratempos e as ferramentas necessárias para superá‑los. Os participantes das oficinas se comprometem a compartilhar os aprendizados para que mais pessoas da comunidade estejam informadas sobre o assunto. Além disso, através dos professores, foi reforçado o apoio psicoemocional para crianças e adolescentes, no intuito de ajudá‑los a superar a situação que viveram.


Adriana, Gustavo, e outras famílias que foram prejudicadas pelo terremoto de 2017 estão cada vez mais próximos de reconstruir suas vidas em suas novas casas, e eles se emocionam em pensar que terão outra vez um lugar próprio e digno onde morar: “Falta quase um mês para eu poder ter uma casa outra vez; demorou quase um ano para conseguir isso, mas graças a Deus temos outra oportunidade”, disse Adriana.


Graças às ações da Save The Childrencom o apoio do Instituto C&A, 94.325 pessoas (dentre as quais, 38.159 são crianças e adolescentes de Oaxaca, Puebla e Morelos) puderam ser beneficiadas de forma imediata, e agora mais 15 famílias voltarão a ter uma casa.

Uma puxa a outra

25 Junho 2019


“As mulheres são maioria na mão de obra da indústria da moda. É importante que elas tenham voz para exercer seus direitos. Tenho orgulho de poder lutar pela melhoria das condições de trabalho e pelo fim da violência de gênero na fábrica onde trabalho”, diz a líder Salma Khatun, de Bangladesh


Tive uma infância muito simples. Nasci no município de Jessore, em Bangladesh. Meu pai era um comerciante, e minha mãe, dona de casa. Eu dividia os serviços domésticos com ela e brincava na rua com meus amigos e meu irmão caçula. Quando era criança, tinha o sonho de me tornar


médica para ajudar as pessoas. Meus pais se preocupavam muito em passar para mim os valores que julgavam importantes na vida; sempre diziam que seria por meio do estudo que me tornaria um bom ser humano. Pediam que não fosse gananciosa, que respeitasse os mais velhos e amasse os mais jovens. Por fim, acreditavam que eu deveria ajudar os outros de acordo com as minhas habilidades, que fizesse o que estava ao meu alcance.


Foram meus pais que escolheram o homem com quem me casaria. Isso aconteceu oito anos atrás, quando tinha 18 anos. Mas, na época, meu marido não quis assumir as responsabilidades sobre os meus estudos, e essa atitude criou uma situação horrível entre nós. Nesse meio-tempo, descobri que ele mantinha uma relação extraconjugal com outra garota, e decidi pedir o divórcio. Com a separação, porém, ficou um clima desconfortável na aldeia onde morávamos. As pessoas passaram a me julgar; eu ouvia coisas ruins sobre mim e resolvi sair de lá. Mudei para Daca, capital de Bangladesh, e consegui um trabalho como costureira numa fábrica de roupas. Ali, dei o primeiro passo para uma mudança de vida.


No início, era uma trabalhadora como qualquer outra, mas fui convidada para participar de workshops sobre direitos trabalhistas no Bangladesh Center for Workers’ Solidarity (BCWS), uma organização apoiada pelo Instituto C&A que luta pela equidade de gênero e pelos direitos humanos. Com os ensinamentos que recebi, pude me juntar ao Workers Participation Committee, o comitê de trabalhadoras e trabalhadores da fábrica, e fui vendo que era possível mudar as regras impostas se agíssemos em conjunto.


Reivindicando melhores condições de trabalho

Minha luta começou quando, um dia, fui ofendida verbalmente por um homem da fábrica. Reclamei para meu gerente, que nada fez em relação ao episódio. Nesse momento, passei a reivindicar melhores condições de trabalho e mostrar às outras mulheres que elas também poderiam se defender por conta própria e tomar as providências necessárias para que esse tipo de situação nunca mais acontecesse.


Havia também muita pressão no dia a dia da fábrica, e éramos exploradas. Nas reuniões do comitê, cada vez mais eu discutia os direitos trabalhistas e as questões necessárias para a melhoria do nosso meio. Dessa forma, consegui a adesão de um número grande de mulheres para o movimento e fui me tornando uma liderança. Ganhamos força para lutar contra a repressão de forma sistemática, e uma transformação começou a acontecer. Antes, por exemplo, quando precisávamos nos ausentar para ir a uma consulta, não recebíamos por esse dia; era descontado do salário. Mas, agora, conquistamos o direito de ter as licenças médicas remuneradas.


Liderando a mudança

Nunca imaginei que seria capaz de promover uma mudança como essa no meu local de trabalho. A mão de obra da indústria têxtil é pouco qualificada, as pessoas não frequentaram a escola. Por isso, fiz questão de liderar esse movimento; era importante ter alguém que as guiasse. Servir de inspiração para essas mulheres é um orgulho imenso para mim. Meu sonho hoje é garantir um salário digno para as trabalhadoras da fábrica, assim como para todas as outras do nosso meio. Desejo ver a fábrica livre de violência baseada em gênero. As mulheres são a maioria na indústria da moda. É muito importante que elas tenham voz para reivindicar seus direitos. Espero que as mulheres da próxima geração sigam lutando.


Ter desenvolvido habilidades, ter me tornado uma referência no trabalho e proporcionado melhorias na vida de outras mulheres trouxeram mudanças na minha própria vida, na de minha família e das pessoas que me cercam. Tenho 26 anos e vivo com dignidade, sabendo que estou fazendo a diferença. Assim como sonhei ser médica um dia, gostaria de ver meu filho, Tamim Mahmud, de 9 anos, se formando em medicina. Sou mãe sozinha e penso muito no futuro dele, pois quero ser um exemplo. Deixarei todos os valores e ensinamentos que recebi dos meus pais e sei que ele vai respeitar as trabalhadoras e ajudá-las da maneira que puder.”

“É muito importante que elas tenham voz para reivindicar seus direitos. Espero que as mulheres da próxima geração sigam lutando.”

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O texto acima faz parte de uma série de perfis publicados na versão brasileira da revista Marie Claire, em parceria com o Instituto C&A. A versão original pode ser lida aqui.

Mulheres que quebraram o ciclo da violência

20 Maio 2019


A liberdade de se organizar para lutar por melhores condições de trabalho é um direito, reconhecido internacionalmente, que faz parte das políticas corporativas das grandes organizações. Pensando nisso, seria fácil afirmar que para trabalhadoras e trabalhadores conseguirem melhores condições para exercer seu oficio, basta que se reunão e exijam seus direitos, certo? Bem, não é tão simples quanto parece. Thayamma e Deepa Shree, por exemplo, foram agredidas por fazerem isso.o. 


Thayamma, 35 anos, trabalha no setor de vestuário há seis anos. Em 2016, ela se uniu à Koogu - Karnataka Garment Workers Union, sindicato localizado em Karnataka, Índia, que luta por melhores condições de trabalho na indústria da moda. Thayamma trabalha no sindicato como secretária, e os tem como sua família. Porém, em abril do ano passado, uma simples assinatura, de uma petição organizada por eles, acabou levando-a à mesa de cirurgia. 


Em 3 de abril de 2018, Thayamma fez seu trajeto usual para chegar ao trabalho, dando uma rápida parada na entrada da fábrica para adicionar seu nome ao abaixo-assinado onde os trabalhadores pediam água potável, melhoria no transporte e um modesto aumento. Nesse mesmo dia ela foi arrastada e espancada por um grupo de gestores e funcionários da fábrica. Mais tarde, ela chegaria no hospital gravemente ferida e seria encaminhada à mesa de cirurgia.


Os agressores queriam que Thayamma mentisse sobre o propósito do sindicato e alegasse que seu verdadeiro objetivo era conseguir dinheiro para fechar a fábrica. Enquanto era estrangulada, sentiu que seria seu fim. “Pensei que fosse morrer naquele dia, mas sabia que minha morte não deveria ser em vão e que a luta deveria continuar.” Felizmente, Thayamma se recuperou com a ajuda da equipe médica e dos amigos sindicalistas. 


Apesar do ocorrido, as petições tiveram efeito positivo. Embora as negociações por um aumento ainda estejam em andamento, o acesso à água potável e os sistemas de resolução de queixas dentro da fábrica foram revistos e melhorados.



 “Antigamente eu não tinha coragem de protestar. Eu só sabia chorar. Agora, depois de treinamentos regulares, apoio do sindicato e as participações em várias reuniões, posso me defender sozinha. E não só isso, agora tenho força o suficiente para estender o apoio a outras trabalhadoras e trabalhadores para combater injustiças”


Infelizmente, muitas confecções ainda oferecem salários baixos e condições de trabalho ruins. Por serem a maior parte da mão de obra dessa indústria, as mulheres sentem as consequências da soma desses fatores com mais intensidade. Apesar das leis nacionais da Índia protegerem a liberdade de associação, as tentativas de fazê-lo são, muitas vezes, recebidas com resistência. Essas mulheres frequentemente se veem em um ciclo de opressão no trabalho, que em muitos casos se repete em casa. Sindicatos como o Koogu lutam para transformar essa realidade.

Coragem para falart

Infelizmente, muitas confecções ainda oferecem salários baixos e condições de trabalho ruins. Por serem a maior parte da mão de obra dessa indústria, as mulheres sentem as consequências da soma desses fatores com mais intensidade. Apesar das leis nacionais da Índia protegerem a liberdade de associação, as tentativas de fazê-lo são, muitas vezes, recebidas com resistência. Essas mulheres frequentemente se veem em um ciclo de opressão no trabalho, que em muitos casos se repete em casa. Sindicatos como o Koogu lutam para transformar essa realidade. 


Para Deepa Shree, 32 anos, o abuso dentro de casa era contínuo e seu medo a mantinha calada. Ativistas sindicais a identificaram como vítima de violência doméstica e a apoiaram na apresentação de uma queixa legal contra o marido. No entanto, o abuso também ocorria no trabalho. Em abril de 2018 ela foi atacada por seus supervisores por conta de sua associação sindical, e essa não foi a primeira vez. “Antes, se um supervisor me tocasse de maneira inadequada, eu permitiria devido ao medo”, lembra ela. “Agora sei como impedir que isso aconteça. Hoje, estou aqui vestindo jeans e camiseta e participando da reunião do Comitê do sindicato com confiança graças ao Koogu. Eu sou o oposto do que costumava ser antes. Isso também levou ao aumento do respeito no trabalho. Agora defendo outras colegas e as incentivo a prestarem queixas, por escrito, ao departamento de recursos humanos.” 


Thayamma e Deepa sentem que “fazer parte do coletivo foi a maneira de conseguir o respeito que temos hoje, no local de trabalho e em casa”. Essas duas mulheres estão empenhadas em impedir que as colegas sofram o que elas sofreram. Os sindicatos têm sido uma força transformadora e, ao reunir mulheres e homens em torno das mesmas causas, conseguem amplificar, ainda mais, a voz coletiva dos trabalhadores.

10 julho 2019


A coletividade como solução


Aqueixa de uma costureira a respeito de uma injustiça salarial em uma fábrica mudou o futuro de 420 trabalhadoras e trabalhadores


Sem olhar para trás

Em um dia comum, a casa de Padmavathi fica repleta de sons de crianças logo pela manhã.  Conforme elas se aprontam para ir para a escola, Padmavathi se arruma para ir para a fábrica e sua irmã se prepara para cuidar da casa. Ela confere os uniformes e mochilas escolares e vai para o trabalho. 


Aos 40 anos, Padmavathi é a única, de uma família de sete, responsável pelo sustento da casa. Um acidente que ocorreu há três anos deixou seu marido acamado e, recentemente, sua irmã viúva e seus dois filhos também vieram buscar sua ajuda. Padmavathi carrega todas essas responsabilidades pessoais diariamente, além de ser uma forte representante de seu sindicato na defesa por salários justos.


Ela trabalha como costureira em uma fábrica de roupas na região industrial de Manamadi, em, Tamil Nadu, no sul da Índia. Padmavathi filiou-se ao Sindicato de Trabalhadores de Vestuário e Moda (Garment and Fashion Workers Union, GAFWU) sete anos atrás, para lutar pelos seus direitos e não olhou para trás desde então. Seja para garantir a previdência através do Conselho de Previdência Social ou para combater deduções ilegais de seu salário, o apoio do sindicato ajudou ela e seus colegas na reivindicação dos seus direitos. Urimai Kural é um sistema interativo de resposta de voz (IVRS) alimentado pela plataforma de mídia comunitária de Gram Vaani. Em 2017, Padmavathi apresentou uma queixa nessa plataforma, que foi o catalisador necessário para a mudança.


 O IVRS para atingir trabalhadoras e trabalhadores em toda a parte

O Instituto C&A e a Gram Vaani fizeram uma parceria para desenvolver a Shramik Vaani (a voz dos trabalhadores), uma iniciativa que usa a tecnologia para fortalecer a conscientização e promover a ação coletiva entre  trabalhadores. A Gram Vaani vem construindo plataformas de mídia para capacitar as comunidades a exigir a responsabilização desde 2012. Elas usam o IVRS em telefones celulares - fáceis de usar e amplamente acessíveis em vários locais na Índia. Urimai Kural é uma das quatro plataformas ativas do IVRS nessa iniciativa. A plataforma é gerenciada pelos sindicatos - neste caso, o GAFWU. Os líderes sindicais são treinados pela Gram Vaani sobre como operar e gerenciar o IVRS para permitir uma liderança mais forte por parte do sindicato no uso da plataforma, que   ajuda a racionalizar as operações e a conectar os trabalhadores em diferentes partes do país.


Em 2017, Padmavathi apresentou uma queixa na Urimai Kural a respeito de seu salário, que acabou por trazer uma mudança positiva para todos.  O governo estadual aumentou o salário mínimo em 2014, e os empregadores se opuseram a essa decisão na justiça, levando a uma batalha jurídica que levou dois anos. A vitória foi dolorosa. Os tribunais ordenaram que as empresas pagassem o novo salário, incluindo os pagamentos em atraso, com efeito imediato e, por sua vez, decidiram cobrar uma nova dedução para o transporte fornecido pela empresa. Os trabalhadores voltaram à estaca zero.  Os salários passaram de Rs.6.000 (320 reais) para Rs.8.000 (427 reais) por mês, e o aumento estava, por sua vez, sendo deduzido para pagar o transporte. 


“Acabei ficando com 5.000 rupias na mão, mesmo sem tirar qualquer licença. Ficou difícil sustentar a minha família”, Padmavathi recorda as palavras usadas em sua queixa na Urimai Kural. A queixa foi apresentada em 10 de setembro de 2017, em nome de 420 trabalhadores que usavam o transporte da empresa a partir de sua unidade na fábrica. Esse fato, além de uma greve de um dia inteiro, garantiu a promessa da administração da fábrica de liberar novos salários, desde que os trabalhadores finalizassem a paralisação. Uma semana depois, os serviços de transporte foram cancelados. Os trabalhadores não tinham acesso a transportes públicos ou privados confiáveis para chegar ao trabalho.

A administração disse ao sindicato: “Se vocês não querem os cortes, arranjem o transporte por si mesmos”. O GAFWU reuniu evidências de que outras fábricas vizinhas estavam deduzindo muito menos do que esta e que o transporte público - mesmo que não confiável - custava apenas Rs.10 por dia. Reunindo apoio na plataforma do IVRS, o sindicato criou uma petição - assinada por 60 membros - junto ao tribunal do trabalho e abriu um processo jurídico. 
 
O tribunal regional de Kanchipuram decidiu a favor dos trabalhadores e declarou ilegais as deduções por transporte na fonte dos salários mínimos. O GAFWU acompanhou com um mandado para garantir o pagamento: dois membros do sindicato foram incumbidos de cobrar as contribuições devidas pela empresa em maio de 2019. Os trabalhadores que faziam uso do transporte fizeram um acordo com uma van compartilhada, que lhes custou um pouco mais de 1/4 dos encargos da empresa.

“Todos devem usar o IVRS, para que possamos saber o que está acontecendo e compartilhar com os outros”, aconselha Padmavathi.

Iniciativas como a Shramik Vaani e sua plataforma Urumai Kural aproveitam o poder da tecnologia do sistema interativo de resposta de voz para identificar soluções para os problemas dos trabalhadores do setor de vestuário e usar um telefone celular básico para conectá-los na busca dessas soluções. Considerando que os sindicatos gerenciam essas linhas do IVRS, assim que essas soluções são identificadas, eles podem negociar com as respectivas administrações das fábricas de forma eficaz. Quando um trabalhador apresenta algum problema no IVRS, a força da coletividade conduz a soluções. Isso proporciona uma oportunidade para ampliar a participação dos trabalhadores na melhoria das condições de trabalho e transformar a moda em uma força para o  bem. 

Uma jornada coletiva para a autonomia

20 Agosto 2019


Ana Cláudia Alves da Silva teve uma infância muito feliz com seus irmãos, em Brasília. Ainda bem jovem, formou uma família, mas perdeu o seu marido com apenas 21 anos. Com quatro filhos para criar, decidiu que procuraria um lugar mais tranquilo para morar, onde suas crianças pudessem crescer seguras e felizes. Ela fez as malas e se despediu da cidade grande, rumo ao Assentamento Novo Zabelê, em São Raimundo Nonato (PI).  


Lá, Ana Cláudia voltou a estudar e se formou como Técnica em Administração. Foi quando se engajou na organização de produtoras e produtores orgânicos do município e ajudou a melhorar a comercialização e a contabilidade do grupo, colocando em prática os conhecimentos que adquiriu no curso. 


Hoje, além de agricultora, Ana Cláudia é secretária e faz parte da comissão executiva da associação de agricultores da região. Essas associações são chamadas Organismos Participativos de Avaliação e Conformidade Orgânica (OPAC). Hoje, a OPAC onde atua, que nasceu com o objetivo de certificar o algodão agroecológico do local, atende cerca de 30 famílias.  


O produto, quando certificado como orgânico, aumenta seu valor agregado, beneficiando o agricultor. Nas comunidades onde existem OPACs a certificação depende da avaliação coletiva das agricultoras e agricultores associados, ou seja, a própria comunidade se avalia e colabora entre si garantindo que todos estejam dentro das exigências necessárias para se tornar um produtor orgânico.



Organização coletiva 

O projeto “Algodão em Consórcios Agroecológicos”, realizado pela ONG Diaconia, com o apoio do Instituto C&A, está fortalecendo a produção orgânica em seis estados do semiárido brasileiro, levando assessoria técnica e incentivando a organização coletiva nas comunidades agroecológicas por meio das OPACs.

 

Ana Cláudia conta que o trabalho desenvolvido na comunidade foi muito importante, principalmente porque a Diaconia e as ONGs locais, parceiras no projeto,  não impuseram o que deveria ser feito, mas mostraram a força e o potencial que as trabalhadoras e os trabalhadores tinham e que, atuando coletivamente, seriam mais fortes.  


“As ONGs, que atuam como parceiras da Diaconia em cada comunidade onde o projeto opera têm esse papel fundamental de entender as diversidades dentro de cada região e ajudar o povo a se organizar”, diz a agricultora. 


O trabalho em grupo já trouxe muitos avanços. Um site para comercializar a produção agroecológica de hortaliças, verduras e frutas dos agricultores da região é um deles. Apesar de recente, várias compras já estão sendo feitas por lá. Atualmente, é direcionado apenas para compradores da cidade, mas um plano de expansão para outras regiões já está sendo pensado.  


Além de estimular a assessoria técnica no campo e a comercialização, também existe o incentivo de tornar o processo de compra e venda dos produtos cada vez mais transparente. “Para nós, produzir algodão sabendo para quem a gente vai comercializar é muito seguro. Não é mais legal para as agricultoras e agricultores hoje produzirem uma roça grande e depois não saberem para quem vender. Hoje, a OPAC ajuda nessa questão”, explica Ana Cláudia.  


Ao relembrar a história da organização, Ana Cláudia conta das lutas e dos obstáculos que a comunidade enfrentou e se mostra muito satisfeita com o trabalho que vêm fazendo.   

“Hoje temos muito orgulho da nossa trajetória, porque, tudo aquilo que construímos lá atrás nos fez permanecer na caminhada e hoje colhemos bons frutos desse nosso trabalho”, comemora. 



Autonomia financeira 

Segundo Ana Cláudia, antes existia o sentimento de que as agricultoras não eram recompensadas de maneira justa quando comparadas aos homens, mas que essa situação mudou quando a associação chegou à região. Ela vê que hoje as mulheres conseguem se sustentar, e, mais do que isso, fazer parte dos processos de tomada de decisão ocupando diferentes papeis dentro da OPAC.


O ganho do trabalho coletivo não se deu apenas no aumento da renda e na melhor organização da comunidade. Ele trouxe voz e espaço as agricultoras, que hoje se sentem muito mais independentes e empoderadas.  


“Tudo isso que construímos nos últimos anos não tem mais como ser perdido. A mulher agricultora se destacou. Ela não é mais aquela mulher com um baldinho de água na cabeça, com um tanto de menino dismilinguido do lado dela. Ela não é mais essa mulher. Ela é uma mulher bonita, ela é a mulher que planta o algodão”, diz a agricultora. 







Sobre a Diaconia

A Diaconia é parceira do Instituto C&A e atua para capacitar agricultoras e agricultores, além de trabalhar com organizações regionais para promover a produção sustentável de algodão no Brasil.

Gênero, Equidade e Inclusão: a jornada do Instituto C&A

10setembro 2019


Considere em quem você pensa quando pedimos para imaginar um líder corporativo, investidor ou gerente de fábrica. Agora, pense em quem vem à sua mente na hora de ser atendido em uma loja, em quem vende ou costura as roupas.


Quando se trata de gênero, somos condicionados a reconhecer as mulheres como compradoras, trabalhadoras no varejo e em fábricas. Elas raramente são lembradas como tomadoras de decisão.  E, até certo ponto, esse estereótipo é verdadeiro, embora as mulheres representem cerca de 80% de todas as pessoas que atuam no setor de moda.  É por isso que, há alguns anos, incorporamos uma teoria de mudança que aborda a Justiça de Gênero em todo o nosso trabalho. Porque acreditamos que, para fundamentalmente transformar a moda em uma força do bem, devemos abordar essa dinâmica de gênero

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A dinâmica de gênero afeta homens e mulheres e, é claro, indivíduos que não seguem a “conformidade” quanto ao gênero. Nossa abordagem não é de “empoderamento das mulheres”.  Não se trata apenas de mulheres, trata-se de mudar a dinâmica social. Justiça de Gênero é o termo que escolhemos para descrever essa abordagem.


Em nossa jornada para entender e abordar gênero, aprendemos a compreender a forma complexa e cumulativa em que os efeitos de múltiplas formas de discriminação - incluindo o racismo, capacitismo e homofobia - se combinam, sobrepõem ou se interceptam para reforçar a desigualdade de gênero. Em muitos dos países onde trabalhamos, as mulheres e os homens que fabricam, vendem e compram as nossas roupas podem vir de comunidades contidas por sistemas profundamente enraizados de discriminação e exclusão. 


Nossa indústria não pode prosperar se isso continuar dessa forma.  Por isso, em 2018, publicamos a Declaração sobre igualdade e inclusão (Statement on Equity and Inclusion). Assumimos uma série de compromissos nessa declaração.  Um dos nossos principais compromissos foi com a transparência - comunicar o nosso progresso e os nossos retrocessos.  Esta é uma das muitas atualizações que compartilharemos com todas as pessoas interessadas em mais transparência na indústria.

Em 2018, encomendamos um Relatório de Benchmarking para nos ajudar a desenvolver uma abordagem abrangente e holística sobre gênero, equidade e inclusão, tanto nas nossas próprias operações como na nossa concessão de apoios.  


Estamos observando essa abordagem holística interna e externamente, tanto no que diz respeito à proteção e prevenção de danos quanto no apoio afirmativo a uma cultura local de trabalho que envolve nossas diferenças e é verdadeiramente inclusiva. Estamos implementando um ambicioso Plano de Ação de Gênero, Equidade e Inclusão em nossas operações e políticas internas e em nossas concessões de apoios. E, em 2019, continuamos nossa jornada de aprendizagem por meio de uma Parceria de Aprendizagem sobre Justiça de Gênero.


Por meio da parceria, diferentes equipes dentro do Instituto foram capazes de entender melhor sobre justiça de gênero. No Brasil, uma especialista em gênero e inclusão social deu uma série de workshops para nossa equipe e fez visitas de campo com parceiros para aprofundar nossa capacidade de aplicar uma lente de inclusão social em todas as atividades que apoiamos. Saiba mais sobre as principais lições aprendidas aqui. No México, nossa equipe de campo trabalhou com uma organização da sociedade civil local e especializada (ILSB) para incorporar gênero e inclusão social em seu trabalho interno e externo, bem como reunir a sociedade civil e doadores para discutir como o Instituto poderia ajudar a avançar na pauta sobre gênero no país. Finalmente, alguns de nossos parceiros mexicanos receberam apoio para incorporar a justiça de gênero em suas próprias estruturas e nas iniciativas do Instituto C&A. 


Ainda temos muito trabalho a fazer, mas com este ambicioso diagnóstico da nossa cultura interna e da concessão de apoios, poderemos aperfeiçoar nosso Plano de Ação para a Igualdade de Gênero, Equidade e Inclusão.  E estaremos celebrando algumas de nossas parcerias e sucessos compartilhados este ano na próxima conferência do Women Funded em São Francisco - junte-se a nós no painel sobre Equidade de Gênero na indústria da moda!

 Transparência: mais que um lema, uma ação definitiva para transformar o mundo


20 Maio 2019


A indústria da moda tem um histórico problemático no que diz respeito à transparência. Conhecida por ter uma cadeia produtiva altamente complexa, fragmentada e difícil de rastrear, o modelo de negócios muitas vezes permite pouca visibilidade sobre as condições nas quais roupas são produzidas, abrindo brechas para casos de mão de obra precarizada. Desde o famoso incêndio de 1911 na fábrica da Triangle Shirtwaist Company, em Nova York, que matou mais de 140 trabalhadoras e trabalhadores (a maioria mulheres, o que impulsionou a luta pelos direitos feministas), até os atuais modelos descentralizados e de alta complexidade que dificultam a responsabilização de marcas, a indústria coleciona alto número de ocorrências negativas.


Recentemente algumas iniciativas mais contundentes passaram a sinalizar uma guinada e ganhar força. Uma das principais delas foi a criação do movimento Fashion Revolution em 2013, que surge como resposta ao desabamento de uma fábrica de tecidos em Savar, Bangladesh, que matou mais de mil trabalhadores. O movimento incentiva a reflexão sobre os custos e impactos da moda no meio ambiente e na sociedade promovendo debates sobre sustentabilidade a partir de eventos e oficinas em todo o mundo.



Transparência: uma ferramenta para trabalhadores e consumidores

Para que marcas se tornem cada vez mais sustentáveis, o Fashion Revolution acredita na transparência como uma alavanca fundamental. Em 2016 o movimento criou o Índice de Transparência da Moda, estabelecendo parâmetros técnicos para avaliar a quantidade de informações que grandes marcas fornecem ao público sobre suas práticas. O índice é elaborado anualmente, o que permite traçar comparações e demonstrar melhorias nos níveis de transparência, de cada marca avaliada. O resultado do relatório global de 2018, que apontou melhorias na ordem de 10% na pontuação de 16 empresas, mostra a eficácia do levantamento, que inspira marcas a serem cada vez mais transparentes e prestarem contas à sociedade sobre suas práticas e os impactos sociais e ambientais daquilo que produzem.

Requisito básico ao poder público, a necessidade de transparência e a melhoria na disponibilização de informações passaram a demandar mudanças de paradigma significativas na atuação das instituições privadas nos últimos anos.

"Se antes as preocupações sobre a cadeia produtiva ficavam restritas a grupos militantes com repercussão reduzida, hoje elas ampliaram seu alcance e sensibilizam o consumidor final, que muitas vezes exige maior clareza das empresas com relação à responsabilidade social, ambiental e trabalhista. Muitos deles começam a usar esses critérios para definir qual produto irá ou não para sua sacola."

Diante dessa realidade, corporações começaram a buscar ou implementar iniciativas que tornassem suas atividades mais transparentes. No Brasil vale mencionar o trabalho da Abvtex - Associação Brasileira do Varejo Têxtil. Por meio de um Programa de Certificação de Fornecedores, a entidade visa impedir qualquer prática de precarização do trabalho na cadeia produtiva de suas associadas. Recentemente, a Abvtex passou a publicar a lista de todos os fornecedores certificados, atualizada diariamente e disponível no site da associação.


Conduzindo a mudança em vários níveis

Já em nível global, o Open Apparel Registry é uma plataforma lançada no início de 2019, que permite geolocalizar fábricas e seus respectivos contratantes no mundo todo, em um mapa interativo. A plataforma parte de informações já disponibilizadas publicamente por marcas, mas sendo uma iniciativa de código aberto, também permite que qualquer usuário adicione mais informações. A demanda por padrões mínimos de transparência também é o mote do Transparency Pledge, capitaneado pelo Human Rights Watch e que faz campanhas junto às principais marcas para adesão a um comprometimento com a publicação de informações sobre todas as fábricas pertencentes às suas cadeias produtivas, de forma padronizada e, portanto, comparável. Essa adesão se dá com o cumprimento de diversos critérios, como o de garantir a facilidade ao acesso e clareza das informações disponibilizadas nos produtos e o registro da porcentagem de participação de todos os fornecedores no montante final da produção. As informações devem ser constantemente atualizadas, de maneira a fomentar uma sequência contínua e positiva de mudanças.


Porém, mesmo com os inúmeros exemplos positivos da ampliação da transparência, há alguns desafios que ainda não foram totalmente transpostos. Os principais obstáculos a qualquer iniciativa têm a ver, primeiramente, com a linguagem e acessibilidade na disponibilização de informações. Muitas vezes a publicação de dados é feita sem um planejamento que estabeleça público-alvo ou prognósticos dos efeitos ela irá causar tanto em formadores de opinião quanto naqueles a serem responsabilizados. Também são necessários outros cuidados, como a definição de critérios consistentes de mensuração, a periodicidade na divulgação e, principalmente, a disponibilização de informações que sejam eficazes na construção de ações reais de transformação.

O conceito de transparência e as ações para fomentá-la partem de pressupostos muito mais complexos que estratégias pontuais de comunicação. Para obter resultados satisfatórios, é preciso adotar medidas que promovam, de fato, transformações comportamentais e estruturais colocando informação relevante nas mãos de atores capazes de pressionar tomadores de decisão por essa de mudança.

O caminho é árduo em qualquer setor de produção em larga escala e não apenas no segmento da moda. Trata-se de um processo contínuo, em que o pilar mais significativo é promover uma mudança cultural tão expressiva que faça com que as corporações enxerguem suas atividades de maneira mais abrangente.

Isso passa por diversas alterações, inclusive na concepção dos planos de negócios, que devem apresentar a transparência não como um apêndice, mas sim como fio condutor de toda a estratégia. A prestação de contas dos tomadores de decisões a diversos públicos é ponto chave para que o setor produtivo esteja realmente alinhado aos interesses de seus consumidores, garantindo condições de trabalho decentes para os milhões de trabalhadoras e trabalhadores que compõem essa cadeia produtiva, iniciando assim uma transformação sólida na economia global.


Acreditamos que a moda tem o poder de melhorar as vidas de mulheres e homens por trás de nossas roupas, para que todos os envolvidos neste setor possam prosperar. Um futuro justo e sustentável para a indústria depende da ação que tomamos. Como parte da nova série “Moda como uma força para o bem: mudando a realidade”, você lerá artigos de alguns de colegas e parceiros sobre como suas organizações estão trabalhando para transformar a moda em uma força para o bem. 


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*A foto de abertura do artigo foi tirada no lançamento do Fashion Index Brasil 2018. Saiba mais clicando aqui.

Transformando a moda em uma força para o bem

14 Novembro 2018


Na semana passada, viajei para Panipat, na Índia, como parte de uma visita a um de nossos parceiros, a GoodWeave.  Uma cidade de meio milhão de pessoas, Panipat é, surpreendentemente, o destino de muitas de nossas roupas indesejadas.  As mulheres selecionam pilhas de roupas “recicladas”, escavando o que pode ser usado novamente ou desmontando aquelas que podem ser salvas.  Observar esse processo (por meio do cativante documentário Unravel) pode ser algo sombrio, lembrando-nos do enorme desperdício gerado pela indústria mundial da moda.


Conforme eu caminhava pelas ruelas apertadas e empoeiradas de Panipat, observando o estranho prédio onde pilhas de pedaços de jeans aguardavam seu destino, refleti a respeito daquilo que nós - do Instituto C&A - temos trabalhado incansavelmente para realizar. Quase cinco anos atrás, mudamos o foco do Instituto com uma meta ousada e, segundo alguns, muito ambiciosa:  transformar a moda em uma força para o bem.  Mas o que é que isso realmente significa?  Como exatamente uma indústria de US$ 2,5 trilhões, que atinge profundamente alguns dos países mais pobres do mundo, pode afetar positivamente as milhões de famílias que dependem dela?


Estávamos determinados a descobrir. 


Para nós, ajudar a transformar a moda em uma força para o bem não é apoiar a mudança incremental.  “Ser bom” não é - nas palavras inspiradoras do meu herói ecológico, Bill McDonough - “ser menos ruim”.  Melhorias moderadas nas condições de trabalho ou eficiências ambientais são importantes, mas, para ser franca, não são suficientes. 


Em vez disso, tornar a moda numa força para o bem é mudar o modelo básico de negócios dessa indústria complexa e global, que é extrativista, para outra que seja regenerativa. 

É sobre criar uma responsabilidade que, então, garanta um trabalho digno e decente igualmente para as mulheres e homens que trabalham nos campos de algodão e nas fábricas.

Levar as crianças migrantes de volta à escola (em vez de colherem algodão) para que tenham um futuro melhor. 


Oferecer oportunidades para as trabalhadoras se erguerem, serem ouvidas e liderarem.

É sobre capacitar legisladores ao redor do mundo para que usem premiações e punições para motivarem as melhores práticas dos negócios.


É sobre permitir que cada um de nós - como consumidores - seja capaz de fazer escolhas de moda ecologicamente corretas e éticas usando dados prontamente disponíveis.

E é sobre o uso do poder de mercado dessa indústria para enfrentar um dos problemas mais desafiadores e globais do nosso tempo: nosso planeta em aquecimento. O relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) da ONU do ano passado nos deu apenas 12 anos para agir.  Dado que a indústria da moda é responsável por 10% das emissões globais de gases de efeito estufa, não temos tempo a perder.¹


Nós, como instituto filantrópico, temos um importante papel a desempenhar.  Podemos assumir riscos, fazer grandes apostas, pensar no longo prazo.  Podemos usar nossos recursos para incentivar os atores do setor, como marcas, varejistas, fabricantes, a mudarem seus modelos de negócios.  Podemos testar novas ideias, como a plataforma colaborativa e inovadora da Fashion for Good, ou novos modelos, como a transparência conduzida por trabalhadores. Podemos reunir outras pessoas para colaborarem ou fortalecerem essas importantes plataformas que apoiam, atingem e persuadem a indústria a abraçar a sustentabilidade.  Mas somos apenas uma entre muitas organizações bem-intencionadas comprometidas com um futuro melhor na moda. 


Se realmente quisermos transformar a moda em uma força para o bem, precisamos fazer isso juntos.


Acreditamos que a moda tem o poder de melhorar as vidas de mulheres e homens por trás de nossas roupas, para que todos os envolvidos neste setor possam prosperar. Um futuro justo e sustentável para a indústria depende da ação que tomamos. Como parte da nova série “Moda como uma força para o bem: mudando a realidade”, você lerá artigos de alguns de nossos parceiros sobre como suas organizações estão trabalhando para transformar a moda em uma força para o bem. Nossa diretora-excecutiva, Leslie Johnston inicia a série falando sobre a perspectiva do Instituto C&A a respeito desse tema.

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¹ https://unfccc.int/news/un-helps-fashion-industry-shift-to-low-carbon

Transparência: a evolução do mercado da moda


12 Agosto 2019



O conceito de transparência vem sendo diluído para incluir todos os tipos de informação. Sarah Ong, gerente de programa do time global do Instituto C&A, questiona como podemos aprimorar nosso foco em dados que tornem a transparência possível na indústria do vestuário

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Transparência costumava ser um tema sensível na indústria têxtil, mas dezoito anos atrás este cenário começou a traçar um caminho diferente. Três acadêmicos - Archon Fung, Dara O’Rouke, e Chuck Sabel – publicaram um plano visionário para eliminar as péssimas condições de trabalho na indústria têxtil.

O projeto descrevia uma indústria onde as cadeias de suprimento, condições de trabalho e auditorias fossem transparentes e devidamente públicas. Dessa forma, as marcas e suas respectivas fábricas poderiam ser responsabilizadas pelo seu desempenho. No entanto, a proposta não se tornou popular na época do lançamento.


Já nos dias atuais, cinco anos depois do colapso do edifício de Rana Plaza, o debate sobre transparência está presente em todos os setores. Pensando nesta nova realidade, Sarah Ong, gerente de programas do time global do Instituto C&A, questiona como podemos melhorar nosso foco em relação aos dados incisivos que fazem com que a transparência seja efetiva na indústria de vestuário.

No ano passado, a Economist Intelligence Unit escreveu: “Empresas que buscam a credibilidade em uma base de consumidores cada vez mais informados e críticos precisam parar de dar desculpas. Elas precisam reconhecer que, na era digital, não podem nem controlar a pauta nem quem acessa informações sobre suas cadeias de suprimento. A pressão sobre elas com relação à transparência e responsabilidade só tendem a aumentar.”


Ao mesmo tempo em que é bom ver a transparência sair do anonimato e tornar-se o foco principal de discussões, percebemos que o termo está se tornando cada vez mais superficial. A palavra está sendo usada para descrever relatórios de Responsabilidade Social Corporativa, honestidade entre compradores e fornecedores, entre outras coisas.


Essas informações não podem erradicar décadas de condições precárias. Uma ação decisiva é necessária para mudar as situações degradantes nas fábricas. A transparência deve continuar ditando a evolução do mercado da moda.


Archon Fung, Mary Graham e David Weil defendem em Full Disclosure: The Promise and Perils of Transparency que, para ser eficaz, é preciso:


  • Nomeados: As informações devem ser relacionadas a uma empresa específica, à marca, fábrica e ao auditor;
  • Abrangente: Precisamos de informações suficientes para cobrir todas as marcas ou, pelo menos, boa parte delas;
  • Comparável: As informações precisam ser padronizadas, de forma que os dados possam ser comparados;
  • Contínua: As informações precisam ser atualizadas regularmente, para que o leitor possa comparar o desempenho ao longo do tempo;
  • Granular: As informações precisam ser detalhadas o suficiente para que os tomadores de decisão possam usá-las e para que qualquer um possa contestar sua precisão.

Além dos itens acima, os dados devem ser de domínio público - não de propriedade privada. Esse tipo de transparência não é incomum e muito menos impossível. Se, por exemplo, retirarmos qualquer uma das características listadas acima de um relatório trimestral de ganho, a informação seria muito menos valiosa.

Na indústria de vestuário, há um grupo pequeno – mas crescente – de empresas que divulgam seus dados contendo essas cinco características. Está na hora de o mercado da moda como um todo se preocupar com a sua cadeia produtiva, tornando-a cada vez mais justa e sustentável.


Acreditamos que a moda tem o poder de melhorar as vidas de mulheres e homens por trás de nossas roupas, para que todos os envolvidos neste setor possam prosperar. Um futuro justo e sustentável para a indústria depende da ação que tomamos. Como parte da nova série “Moda como uma força para o bem: mudando a realidade”, você lerá artigos de alguns de nossos parceiros sobre como suas organizações estão trabalhando para transformar a moda em uma força para o bem. 

Reforma constitucional trabalhista no México: e agora?

30 outubro 2019


Aplicar. Este é o verbo que tenho lido e ouvido, ao menos em relação à Reforma constitucional trabalhista de 2017 no México. Penso que é perfeitamente adequado dar as boas-vindas a estas mudanças na constituição da nação, bem como aquelas que foram promulgadas em 1.º de maio de 2019, que dizem respeito à Lei Federal do Trabalho (LFT). No entanto, como acontece com todas as reformas em qualquer país, o maior desafio pode estar na sua aplicação.  


Esta nova lei da reforma do trabalho poderá sanar os atrasos que os trabalhadores enfrentam no acesso ao sistema de justiça, o que é algo que está sendo muito bem-vindo pelos cidadãos, incluindo eu mesmo! Mesmo assim, este não é o momento de ficarmos de braços cruzados, uma vez que os problemas da justiça trabalhista no México poderiam ter sido resolvidos há anos, se a lei tivesse sido rigorosamente cumprida: “De acordo com a lei que estava em vigor antes dessa reforma, um pedido de demissão sem justa causa não deveria levar mais de 105 dias para ser resolvido, mas esse número certamente provoca risadas por parte dos advogados trabalhistas, que estão acostumados a julgamentos que duram anos” (Kaplan, 2019). 


Outro desafio é como realizar a transformação do governo, mudando a forma como este opera e compreendendo o seu papel no âmbito do novo sistema. Até agora, temos visto alguns sinais positivos por parte do Legislativo e do Executivo no sentido de realizar as mudanças necessárias na LFT, bem como para estabelecer o Conselho Coordenador para a Implementação das Reformas do Sistema de Justiça do Trabalho (CCIRSJL, como é conhecido por sua sigla em espanhol) (Ministério do Interior, 2019). No entanto, ainda existem muitas questões em aberto sobre como essa reforma será implementada. Só para mencionar algumas delas: 


Qual é o orçamento para isso? Se imaginarmos que “orçamento é amor”, parece que a implementação dessa reforma está carente de funcionários públicos e legisladores que, ao menos, querem mostrar o seu afeto por ela. Isso se deve à falta de provas de que os tomadores de decisão tenham levado em consideração os requisitos orçamentais necessários para realizar essa reforma (criação de um órgão administrativo, de tribunais do trabalho e eliminação da Câmara de Arbitragem e Conciliação (Ponce, 2019). Estima-se que a administração do presidente Andrés Manuel López Obrador terá de investir 2,2 bilhões de pesos (103 milhões de euros ou 91 milhões de libras) durante o seu mandato de seis anos (Hernandez, 2019), e isto em meio ao atual programa de austeridade do governo nacional, que já está afetando a prestação de serviços públicos. Assim, me pergunto: eles checaram todos os números? O governo realmente conseguirá investir o montante necessário? 


E quanto ao Judiciário? Claramente, o número de órgãos jurisdicionais deve ser aumentado a fim de lidar com os mais de 100.000 julgamentos trabalhistas a cada ano (Soto, 2019), e isso irá desencadear um processo de recrutamento de recursos humanos especializados - mas, novamente, temos o orçamento para isso? Além disso, não está claro como treinar os funcionários públicos (incluindo juízes) que serão responsáveis pela implementação e aplicação das reformas trabalhistas. Essa é uma questão de extrema importância para que os tribunais do trabalho possam desempenhar sua função. O treinamento deve ser concluído dentro de três anos em termos locais e dentro de quatro anos em termos federais. Com isso, nós nos questionamos: será tempo suficiente? Quem vai ministrar todos esses treinamentos e quem vai controlar a sua qualidade e as suas taxas de conclusão? 


E os sindicatos trabalhistas? Nas palavras de uma pequena federação trabalhista independente: “Podemos ter uma bela lei, mas não vai ser fácil. Tivemos muitos anos de controle e manipulação" (Malkin, 2019). No México, o problema dos sindicatos amarelos (sindicatos de empresas ou conduzidos por líderes sindicais pró-gestão) é explicado pelo ditado mexicano que diz: “Não se pode ensinar novos truques a um cão velho” (Malkin, 2019). Isso se aplica em grande parte a esse caso. A rígida implementação da Reforma Trabalhista será crucial para dar o seguinte ultimato aos sindicatos que não estão representando seus membros: em essência, mudem ou morram. 


E quanto ao setor privado? É evidente que esta não é a reforma que o setor privado gostaria de ter (Ponce, 2019), uma vez que democratiza as relações trabalhistas entre empregador e empregado, tornando cada vez mais difícil a violação dos direitos dos trabalhadores. No entanto, o setor privado tem de continuar as discussões com as autoridades para assegurar que a LFT inclua os elementos necessários para evitar a competição com outros países apenas com base nos salários baixos. Da mesma forma, me parece importante que o setor privado tenha um lugar no CCIRSJL, uma vez que será também um usuário dos tribunais do trabalho e temos de garantir que estejam trabalhando por todas as partes envolvidas.

 

Como é que os trabalhadores da indústria de vestuário são afetados? Por fim, mas não sem menos importância, os trabalhadores da indústria do vestuário devem unir esforços e exigir a aplicação do quadro de regulamentação e a garantia dos seus direitos. Este é um enorme desafio para os trabalhadores de fábricas, que enfrentam a pobreza, a insegurança no emprego e a violência no local de trabalho. A implementação da Reforma do Trabalho deve, em grande medida, liquidar uma dívida histórica que o Estado tem com os trabalhadores da indústria do vestuário: o direito de se organizar coletivamente sem retaliação e/ou demissão (basicamente garantindo a liberdade de associação em um país onde cerca de 80% de todos os acordos coletivos de trabalho - ou seja, quase 400.000 de 500.000 no total - são, na verdade, contratos de proteção (24 Horas, 2019).  


Ou seja, temos de ser persistentes. A partir de onde nos encontramos na sociedade civil, temos de apoiar, acompanhar e reforçar o processo de implementação. Nosso papel é dar visibilidade a esses problemas, recomendar soluções alternativas para o governo e reunir os atores-chave na mesa de diálogo. É através da pesquisa e do ativismo político que podemos recomendar melhorias (ou correções) às áreas do quadro de regulamentação que não promovem as relações trabalhistas horizontais e onde os trabalhadores acabam por sair perdendo. Da mesma forma, devemos verificar se a lei está sendo cumprida e se está promovendo o respeito aos direitos dos trabalhadores. É precisamente neste espaço que a filantropia privada e corporativa encontra terreno fértil para apoiar os ativistas que estão dedicando suas vidas e energias a esta luta.